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A práxis cristã da libertação
71. A dimensão soteriológica da libertação não pode ser reduzida à
dimensão socio-ética, que é uma sua consequência. Restituindo ao homem a
verdadeira liberdade, a libertação radical realizada por Cristo atribui ao
mesmo homem uma tarefa: a práxis cristã, que é a execução do grande mandamento
do amor. Este último é o princípio supremo da moral social cristã, fundada
sobre o Evangelho e sobre toda a tradição desde os tempos apostólicos e a época
dos Padres da Igreja até às recentes intervenções do Magistério.
Os consideráveis desafios de nossa época constituem um apelo urgente
para se pôr em prática esta doutrina de ação.
I. Natureza da
doutrina social da Igreja
Mensagem evangélica e vida social
72. O ensinamento social da Igreja nasceu do encontro da mensagem
evangélica e de suas exigências, resumidas no mandamento supremo do amor, com os problemas que emanam da vida da sociedade. Ele constituiu-se como
uma doutrina, usando os recursos da sabedoria e das ciências humanas, diz
respeito ao aspecto ético desta vida e leva em consideração os aspectos
técnicos dos problemas, mas sempre para julgamos do ponto de vista moral.
Essencialmente orientado para a ação, esse ensinamento desenvolve-se em
função das circunstâncias mutáveis da história. É por essa razão que, com
princípios sempre válidos, ele comporta também juízos contingentes. Longe de
constituir um sistema fechado, ele permanece constantemente aberto às questões
novas que não cessam de se apresentar; requer a contribuição de todos os
carismas, experiências e competências.
Perita em humanidade, a Igreja oferece, em sua doutrina social, um
conjunto de princípios de reflexão, de critérios de julgamento, como
também de diretrizes de ação, para que sejam realizadas as mudanças profundas que as situações de
miséria e de injustiça estão a exigir e isso de uma maneira que sirva ao verdadeiro
bem dos homens.
Princípios fundamentais
73, O mandamento supremo do amor conduz ao pleno reconhecimento da
dignidade de cada homem, criado à imagem de Deus. Dessa dignidade decorrem
direitos e deveres naturais. À luz da imagem de Deus, a liberdade, prerrogativa
essencial de pessoa humana, manifesta-se em toda a sua profundidade. As pessoas
são o sujeito ativo e responsável da vida social.
Ao fundamento, que é a dignidade do homem, estão intimamente ligados o princípio de solidariedade e o princípio de subsidiariedade.
Em virtude do primeiro, o homem deve contribuir, com os seus
semelhantes, para o bem comum da sociedade, em todos os seus níveis. Sob este ângulo, a doutrina da Igreja opõe-se a todas as formas de
individualismo social ou político.
Em virtude do segundo, nem o Estado, nem sociedade alguma, jamais devem
substituir-se à iniciativa e à responsabilidade das pessoas e das comunidades
intermediárias, no nível em que essas possam agir, nem destruir o espaço
necessário à liberdade das mesmas. Por este lado, a
doutrina social da Igreja opõe-se a todas as formas de coletivismo.
Critérios de julgamento
74. Esses princípios estabelecem critérios para
efetuar um julgamento acerca das situações, das estruturas e dos sistemas sociais.
Assim, a Igreja não hesita em denunciar as situações de vida que lesem a
dignidade e a liberdade do homem.
Tais critérios permitem também julgar o valor das estruturas. Estas são o conjunto
das instituições e das práticas que os homens já encontram em ação ou criam, em
plano nacional e internacional, e que orientam ou organizam a vida econômica,
social e política. Em si necessárias, elas tendem, frequentemente, a se fixarem
e enrijecerem em mecanismos relativamente independentes da vontade humana, paralisando
ou pervertendo assim o desenvolvimento social e gerando a injustiça. No
entanto, elas dependem sempre da responsabilidade do homem, que pode
modificá-las, e não de um pretenso determinismo da história.
As instituições e as leis, quando são conformes à lei natural e
ordenadas ao bem comum, são a garantia da liberdade das pessoas e da sua
promoção. Não se pode condenar todos os aspectos coercitivos da estabilidade de
um estado de direito digno desse nome. Pode-se falar, portanto, de estruturas
marcadas pelo pecado, mas não se pode condenar as estruturas enquanto tais.
Os critérios de julgamento dizem respeito também aos sistemas econômicos, sociais e
políticos. A doutrina social da Igreja não propõe algum sistema particular, mas
à luz dos seus princípios fundamentais, permite ver em que medida os sistemas
existentes são ou não conformes às exigências da dignidade humana.
Primado das pessoas sobre as estruturas
75. A Igreja tem certamente consciência da complexidade dos problemas que as sociedades devem enfrentar e das
dificuldades de se encontrar soluções adequadas. No entanto, ela pensa ser
necessário, antes de tudo, apelar para as capacidades espirituais e morais da
pessoa e para a exigência permanente de conversão interior, se se quiser obter
mudanças econômicas e sociais que estejam realmente ao serviço do homem.
O primado atribuído às estruturas e à organização técnica e não à pessoa
e às exigências da sua dignidade, é a expressão de uma antropologia
materialista, contrária à edificação de uma ordem social justa.
Entretanto, a prioridade reconhecida à liberdade e à conversão do
coração não elimina, de forma alguma, a necessidade de uma mudança das
estruturas injustas. É, portanto, plenamente legítimo que aqueles que sofrem
opressão por parte dos detentores da riqueza ou do poder político ajam, por
meios moralmente lícitos, a fim de obter estruturas e instituições nas quais os
seus direitos sejam verdadeiramente respeitados.
A verdade, porém, é que as estruturas instauradas para o bem das
pessoas, por si mesmas são incapazes de realizá-lo e de garanti-lo. Prova-o a
corrupção que, em certos países, atinge dirigentes e burocracia de Estado,
destruindo qualquer vida social honesta. A retidão dos costumes é condição
indispensável para a saúde da sociedade. É preciso, pois, trabalhar, ao mesmo
tempo, pela conversão dos corações e pela melhoria das estruturas, pois o
pecado que se encontra na origem das situações injustas é, em sentido próprio e
primário, um ato voluntário que tem sua origem na liberdade da pessoa. É só em
um sentido derivado e secundário que ele é aplicado às estruturas e que se pode
falar de « pecado social ».
Por outro lado, no processo de libertação, não se pode fazer abstração
da situação histórica da nação, nem atentar contra a identidade cultural do
povo. Por conseguinte, não se pode aceitar passivamente – e menos ainda
ativamente apoiar – grupos que, pela força ou pela manipulação da opinião,
apoderem-se do aparelho estatal para impor abusivamente à coletividade uma
ideologia importada, oposta aos verdadeiros valores culturais do povo. A esse propósito, convém recordar a grave responsabilidade moral e
política dos intelectuais.
Diretrizes de ação
76. Os princípios fundamentais e os critérios de julgamento inspiram diretrizes de ação: uma vez que o bem comum da sociedade humana está
ao serviço das pessoas, os meios de ação devem ser conformes à dignidade do
homem e favorecer a educação da sua liberdade. Este é um critério seguro de
julgamento e de ação: não haverá verdadeira libertação se, desde o princípio,
não forem respeitados os direitos da liberdade.
É preciso denunciar, no recurso sistemático à violência apresentado como
caminho necessário da libertação, uma ilusão destruidora, que abre estrada a
novas servidões. Deve-se condenar, com o mesmo vigor, a violência contra os
pobres, exercida pelos que têm posses, o arbítrio policial, como também toda
forma de violência transformada em sistema de governo. Nesses campos, é preciso
saber aprender das lições de trágicas experiências que a história do nosso
século conheceu e conhece ainda. Não se pode tampouco admitir a culpável
cumplicidade dos poderes públicos nas democracias em que a situação social de
um grande número de homens e mulheres está longe de corresponder ao que exigem
os direitos individuais e sociais constitucionalmente garantidos.
Uma luta pela justiça
77 . Quando encoraja a criação e a ação de associações como os
sindicatos, que lutam pela defesa dos direitos e dos interesses legítimos dos
trabalhadores e pela justiça social, nem por isso a Igreja admite a teoria que
vê na luta de classes o dinamismo estrutural da vida social. A ação que ela
preconiza não é a luta de uma classe contra outra, em vista de obter a
eliminação do adversário; ela não procede da submissão aberrante a uma pretensa
lei da história. Trata-se, antes, de uma luta nobre e ponderada, visando a
justiça e a solidariedade sociais. O cristão preferirá
sempre a via do diálogo e do acordo.
Cristo deu-nos o mandamento do amor aos inimigos. No espírito do Evangelho, a libertação é, portanto, incompatível com o
ódio pelo outro, considerado individual ou coletivamente, inclusive com o ódio
ao inimigo.
O mito da revolução
78. Situações de grave injustiça requerem a coragem de reformas em
profundidade e a supressão de privilégios injustificáveis. Porém, os que descreem
do caminho das reformas em proveito do mito da revolução, não apenas alimentam
a ilusão de que a abolição de uma situação iníqua basta por si mesma para criar
uma sociedade mais humana, mas ainda favorecem o advento de regimes
totalitários.117 A luta contra as injustiças só tem
sentido se ela for conduzida para a instauração de uma nova ordem social e
política conforme às exigências da justiça. Esta deve determinar as etapas da
sua instauração, já desde o início. Existe uma moralidade dos meios.
Um recurso extremo
79. Esses princípios devem ser aplicados especialmente no caso extremo
do recurso à luta armada, indicado pelo Magistério como remédio último para pôr
fim a uma « tirania evidente e prolongada, que atingisse gravemente os direitos
fundamentais das pessoas e prejudicasse perigosamente o bem comum de um país ». Entretanto, a aplicação concreta desse meio não pode ser encarnada,
senão após uma análise muito rigorosa da situação. Com efeito, por causa do
contínuo desenvolvimento das técnicas empregadas e da crescente gravidade dos
perigos implicados no recurso à violência, o que hoje vem sendo chamado de «
resistência passiva » abre um caminho mais conforme aos princípios morais e não
menos prometedor de êxito.
Jamais poder-se-ia admitir, nem por parte do poder constituído nem por
parte dos grupos sublevados, o recurso a meios criminosos como as represálias
feitas contra a população, a tortura, os métodos do terrorismo e a provocação
calculada para acarretar a morte de pessoas durante manifestações populares.
São igualmente inadmissíveis as odiosas campanhas de calúnia, capazes de
destruir uma pessoa, psíquica e moralmente.
O papel dos leigos
80. Não compete aos Pastores da Igreja intervir diretamente na
construção política e na organização da vida social. Tal tarefa faz parte da
vocação dos leigos, agindo por sua própria iniciativa, juntamente com seus concidadãos. Eles devem realizá-la, conscientes de que a finalidade da Igreja é
difundir o Reino de Cristo para que todos os homens sejam salvos e que, por
eles, o mundo seja efetivamente ordenado a Cristo.
A obra da salvação aparece, pois, indissoluvelmente unida à missão de
melhorar e elevar as condições da vida humana neste mundo.
A distinção entre ordem sobrenatural da salvação e ordem temporal da
vida humana deve ser vista ao interno de um único desígnio de Deus, o de
recapitular todas as coisas em Cristo. É por isso que, em um e outro campo, o
leigo, ao mesmo tempo fiel e cidadão, deve deixar-se guiar constantemente pela
consciência cristã.
A ação social, que pode comportar uma pluralidade de caminhos concretos,
terá sempre em vista o bem comum e será conforme à mensagem e ao ensinamento da
Igreja. Evitar-se-á que a diferença de opiniões prejudique o sentido da
colaboração, conduza à paralisia dos esforços ou produza desorientação no povo
cristão.
A orientação dada pela doutrina social da Igreja deve estimular a
aquisição das competências técnicas e científicas indispensáveis. Ela
estimulará também a busca da formação moral do caráter e o aprofundamento da
vida espiritual. Fornecendo princípios e conselhos de sabedoria, essa doutrina
não dispensa a educação para a prudência política, indispensável para o governo
e gestão das realidades humanas.
II. Exigências
evangélicas de transformações em profundidade
Necessidade de uma transformação
cultural
81. Um desafio sem precedente é hoje lançado aos cristão que se esforçam
por realizar aquela « civilização do amor » que reúne toda a herança
ético-social do Evangelho. Essa tarefa exige uma reflexão nova sobre aquilo que
constitui a relação entre mandamento supremo do amor e ordem social, compreendida
em toda a sua complexidade.
Finalidade direta de tal reflexão em profundidade é a elaboração e
atuação de programas de ação audaciosos, em vista da libertação socioeconômica
de milhões de homens e mulheres, cuja situação de opressão econômica, social e
política é intolerável.
Essa ação deve começar por um imenso esforço de educação: educação para
a civilização do trabalho, educação para a solidariedade, acesso de todos à
cultura.
Evangelho do trabalho
82. A vida de Jesus em Nazaré, verdadeiro « Evangelho do trabalho »,
oferece-nos um vivo exemplo e o princípio da radical transformação cultural
indispensável para resolver os graves problemas que nossa época deve enfrentar.
Aquele que, sendo Deus, fez-se semelhante a nós em tudo, durante a maior parte
de sua vida terrena entregou-se a um trabalho manual. A cultura que nossa época espera, será caracterizada pelo pleno
reconhecimento da dignidade do trabalho humano, que aparece em toda a sua
nobreza e fecundidade à luz dos mistérios da Criação e da Redenção. Reconhecido como expressão da pessoa, o trabalho torna-se fonte de
sentido e esforço criador.
Uma verdadeira civilização do
trabalho
83. Dessa forma, a solução da maioria dos gravíssimos problemas da
miséria encontra-se na promoção de uma verdadeira civilização do trabalho. De
certa forma, o trabalho é a chave de toda a questão social.
É, pois, no campo do trabalho que deve ser empreendida,
prioritariamente, uma ação evangelizadora na liberdade. Uma vez que a, relação
entre pessoa humana e trabalho é radical e vital, as formas e modalidades que
regulamentam tal relação exercerão uma influência positiva, em vista da solução
do conjunto de problemas sociais e políticos que se apresentam a cada povo. Relações
de trabalho justas prefigurarão um sistema de comunidade política apto a
favorecer o desenvolvimento integral de toda a pessoa humana.
Se o sistema das relações de trabalho, posto em funcionamento pelos
protagonistas diretos, trabalhadores e empregadores, com o indispensável apoio
dos poderes públicos, consegue dar origem a uma civilização do trabalho,
produzir-se-á, então, na maneira de ver dos povos e até nas bases
institucionais e políticas, uma profunda revolução pacífica.
Bem comum nacional e internacional
84. Uma tal cultura do trabalho deverá supor e pôr em ação um certo
número de valores essenciais. Ela reconhecerá que a pessoa do trabalhador é
princípio, sujeito e fim da atividade laboriosa. Afirmará a prioridade do
trabalho sobre o capital e a destinação universal dos bens materiais. Será
animada pelo senso de uma solidariedade que não comporta apenas direitos a
reivindicar, mas também deveres a cumprir. Implicará a participação, visando
promover o bem comum nacional e internacional e não apenas a defesa de
interesses individuais ou corporativos. Ela assimilará o método do confronto
pacífico e do diálogo franco e vigoroso.
De sua parte, as autoridades políticas torna-se-ão sempre mais capazes
de agir no respeito às legítimas liberdades dos indivíduos, das famílias, dos
grupos subsidiários, criando assim as condições necessárias para que o homem
possa alcançar seu bem verdadeiro e integral, inclusive o seu fim espiritual.
O valor do trabalho humano
85. Uma cultura que reconheça a eminente dignidade do trabalhador,
evidenciará a dimensão subjetiva do trabalho. O valor de cada trabalho humano não se deduz, em primeiro lugar, do
trabalho realizado; ele tem o seu fundamento no fato de que quem o executa é
uma pessoa.Trata-se, portanto, de um critério ético, cujas exigências são
evidentes.
Assim, todo homem tem direito ao trabalho, direito esse que deve ser
reconhecido de forma prática, através de um efetivo empenho em vista de se
resolver o dramático problema do desemprego. É intolerável que este mantenha em
uma situação de marginalização amplas parcelas da população, e, notadamente, da
juventude. Por isso, a criação do postos de trabalho é uma tarefa social
primordial, que se impõe aos indivíduos e à iniciativa privada, mas igualmente
ao Estado. Como regra geral, aqui como em outros campos, o Estado tem uma
função subsidiária; mas frequentemente ele pode ser chamado a intervir
diretamente, como no caso de acordos internacionais entre diversos Estados.
Tais acordos devem respeitar o direito dos emigrantes e de suas famílias.
Promover a participação
86. O salário, que não pode ser concebido como uma simples mercadoria,
deve permitir ao trabalhador e à sua família terem acesso a um nível de vida
verdadeiramente humano na ordem material, social, cultural e espiritual. É a
dignidade da pessoa que constitui o critério para julgar o trabalho, e não o
contrário. Seja qual for o tipo de trabalho, o trabalhador deve poder vivê-lo
como expressão da sua personalidade. Daí decorre a exigência de uma
participação que, muito mais que uma partilha dos frutos do trabalho, deveria
comportar uma verdadeira dimensão comunitária em nível de projetos, de iniciativas
e de responsabilidades.
Prioridade do trabalho sobre o capital
87. A prioridade do trabalho sobre o capital faz com que os empresários
tenham o dever de justiça de considerar o bem dos trabalhadores antes do
aumento dos lucros. Eles têm a obrigação moral de não manter capitais
improdutivos, e de procurar, nos investimentos, antes de tudo, o bem comum.
Este último exige que se busque, como prioridade, a consolidação ou a criação
de novos postos de trabalho, na produção de bens realmente úteis.
O direito à propriedade privada não é concebível sem seus deveres para
com o bem comum. Ele é subordinado ao princípio superior da destinação
universal dos bens.
Reformas em profundidade
88. Esta doutrina deve inspirar reformas, antes que seja tarde demais. O
acesso de todos aos bens requeridos por uma vida humana, pessoal e familiar,
digna desse nome, é uma exigência primária da justiça social. Sua aplicação
deve abranger a área do trabalho industrial e, de um modo todo especial, a do
trabalho agrícola. Com efeito, os camponeses, sobretudo no
Terceiro Mundo, formam a massa preponderante dos pobres.
III. Promoção da
solidariedade
Uma nova solidariedade
89. A solidariedade é uma exigência direta da fraternidade humana e
sobrenatural. Os graves problemas socioeconômicos, que hoje se apresentam, só
poderão ser resolvidos se novas frentes de solidariedade forem criadas:
solidariedade dos pobres entre si; solidariedade com os pobres, para a qual os
ricos são convocados; solidariedade dos trabalhadores e com os trabalhadores.
As instituições e organizações sociais, em diferentes níveis, como também o
Estado, devem participar de um movimento geral de solidariedade. Ao fazer este
apelo, a Igreja sabe que também ela encontra-se envolvida nele de um modo todo
particular.
A destinação universal dos bens
90. O princípio da destinação universal dos bens, juntamente com o da
fraternidade humana e sobrenatural, impõe aos países mais ricos deveres para os
países pobres. Deveres que são de solidariedade na ajuda aos países em vias de
desenvolvimento; de justiça social, mediante uma revisão, em termos correios,
das relações comerciais entre Norte e Sul e pela promoção de um mundo mais
humano para todos, onde cada um possa dar e receber, e onde o progresso de uns
não seja mais um obstáculo ao desenvolvimento de outros, nem um pretexto para a
sua sujeição.
Ajuda ao desenvolvimento
91. A solidariedade internacional é uma exigência de ordem moral. Ela
não se impõe unicamente nos casos de extrema urgência, mas também como ajuda ao
verdadeiro desenvolvimento. Trata-se de uma obra comum, que requer um esforço
convergente e constante para se encontrarem as soluções técnicas concretas, mas
também para criar uma nova mentalidade nos homens deste tempo. A paz mundial,
em grande parte, depende disso.
IV. Tarefas culturais
e educativas
Direito à instrução e a cultura
92. As desigualdades, contrárias à justiça, na posse e no uso dos bens
materiais são acompanhadas e agravadas pelas desigualdades igualmente injustas
no acesso à cultura. Cada homem tem direito à cultura, que é o modo específico
de uma existência verdadeiramente humana, à qual ele tem acesso pelo
desenvolvimento de suas faculdades de conhecimento, de suas virtudes morais, de
suas capacidades de relacionamento com seus semelhantes, de suas aptidões para criar
obras úteis e belas. Daí advém a exigência da promoção e da difusão da
educação, que é um direito inalienável de cada um. Sua primeira condição é a
eliminação do analfabetismo.
Respeito pela liberdade cultural
93. O direito de cada homem à cultura não é assegurado, se não for
respeitada a liberdade cultural. Muito frequentemente, a cultura é pervertida
em ideologia e a educação transformada em instrumento ao serviço do poder
político ou econômico. Não compete à autoridade pública determinar a cultura.
Sua função é promover e proteger a vida cultural de todos, inclusive a das
minorias.
A função educativa da família
94. A tarefa educativa pertence fundamental e prioritariamente à
família. A missão do Estado é subsidiária: seu papel é o de garantir, proteger,
promover e suprir. Quando o Estado reivindica o monopólio escolar, ele excede
os seus direitos e ofende a justiça. É aos pais que compete o direito de
escolher a escola à qual enviarem seus próprios filhos, de criar e manter
centros educacionais de acordo com suas próprias convicções. O Estado não pode,
sem injustiça, contentar-se em tolerar as chamadas escolas privadas. Estas
realizam um serviço público e têm, por conseguinte, o direito de serem ajudadas
economicamente.
As «liberdades» e a participação
95. A educação, que possibilita o acesso à cultura, é também
educação para o exercício responsável da liberdade. É por isso que só existe
autêntico desenvolvimento em um sistema social e político que respeite as
liberdades, favorecendo-as pela participação de todos. Uma tal participação
pode assumir formas diversas; ela é necessária para garantir um justo
pluralismo nas instituições e nas iniciativas sociais. Notadamente pela
separação real entre os poderes do Estado, ela assegura o exercício dos
direitos do homem, protegendo-os igualmente contra possíveis abusos por parte
dos poderes públicos. Dessa participação na vida social e política, ninguém
pode ser excluído por motivo de sexo, de raça, de cor, de condição social, de
língua ou de religião.Manter o povo à margem da vida cultural, social e
política, constitui, em muitas nações, uma das injustiças mais estridentes do
nosso tempo.
Ao regular o exercício das liberdades, as autoridades políticas não
devem usar como pretexto as exigências da ordem pública e da segurança para
limitar sistematicamente essas mesmas liberdades. Nem o pretenso princípio da «
segurança nacional », nem uma visão estritamente econômica, nem uma concepção
totalitária da vida social podem prevalecer sobre o valor da liberdade e sobre
os seus direitos.
O desafio da aculturação
96. A fé é inspiradora de critérios de julgamento, de valores
determinantes, de linhas de pensamento e de modelos de vida, válidos para toda
a comunidade humana.141 É por essa razão que
a Igreja, atenta às angústias de nossa época, indica o caminho de uma cultura
na qual o trabalho seja reconhecido segundo a sua plena dimensão humana e onde
cada ser humano encontre a possibilidade de se realizar como pessoa. Ela o faz
em virtude da sua abertura missionária pela salvação integral do mundo,
respeitando a identidade de cada povo e nação.
A Igreja, comunhão que une diversidade e unidade, por sua presença no
mundo inteiro, assume em cada cultura o que aí encontra de positivo. Todavia, a
aculturação não é simples adaptação externa; é uma íntima transformação dos
autênticos valores culturais pela sua integração no cristianismo e pelo
enraizamento do cristianismo nas diversas culturas humanas. A separação entre Evangelho e cultura é um drama, cuja triste ilustração
são os problemas mencionados. Impõe-se, portanto, um generoso esforço de
evangelização das culturas. Estas serão regeneradas, no seu encontro como
Evangelho. Mas tal encontro supõe que o Evangelho seja verdadeiramente
proclamado. Iluminada pelo Concílio Vaticano II, a
Igreja quer consagrar-se a tal esforço com todas as suas energias, a fim de
provocar um imenso impulso evangelizador.
CONCLUSÃO
O Canto do Magnificat
97. « Bem-aventurada aquela que acreditou » ... (Lc 1, 45). À saudação de Isabel, a Mãe de Deus responderá
deixando efundir o seu coração no canto do Magnificat. Ela nos mostra que é pela fé e na fé que, a seu exemplo, o Povo de Deus
torna-se capaz de exprimir em palavras e de traduzir em sua vida, o mistério do
desígnio de salvação e suas dimensões libertadoras no plano da existência
individual e social. Com efeito, é à luz da fé que se percebe como a história
da salvação é a história da libertação do mal sob a sua forma mais radical e a
introdução da humanidade na verdadeira liberdade dos filhos de Deus. Totalmente
dependente d'Ele e para Ele toda orientada pelo élan de sua fé, Maria é, ao
lado do seu Filho, a imagem mais perfeita da liberdade e da libertação da
humanidade e do cosmos. É para ela, pois, que a Igreja, da qual ela é Mãe e
Modelo, deve olhar para compreender, na sua integralidade, o sentido de sua
missão.
É notável como o senso da fé dos pobres, ao mesmo tempo em que possui
uma aguda percepção do mistério da cruz redentora, leva a um amor e uma
confiança indefectíveis para com a Mãe do Filho de Deus, venerada em numerosos
santuários.
O «sensus fidei» do Povo de Deus
98. Os Pastores e todos aqueles que, frequentemente em condições muito
duras, dedicam-se à evangelização e à promoção humana integral, sacerdotes e
leigos, religiosos e religiosas, devem encher-se de esperança pensando nos
extraordinários recursos de santidade que estão contidos na fé do povo de Deus.
É necessário fazer com que essas riquezas do sensus fidei possam desabrochar plenamente e frutificar com abundância. Eis a nobre
missão eclesial que se pede ao teólogo: graças a uma meditação profunda sobre o
plano da salvação, tal como ele se desenrola aos olhos da Virgem do Magnificat, ajudar a fé do povo a se exprimir com clareza e a se traduzir na vida.
Assim, uma teologia da liberdade e da libertação, como eco fiel do Magnificat de Maria conservado
na memória da Igreja, constitui uma exigência do nosso tempo. Mas seria uma
grave perversão captar as energias da religiosidade popular com o fim de
desviá-las a um projeto de libertação meramente terrena, que se revelaria,
muito cedo, uma ilusão e causa de novas servidões. Os que cedem dessa forma às
ideologias do mundo e à pretensa necessidade da violência não são mais fiéis à
esperança, à sua audácia e coragem, tais como as enaltece o hino ao Deus de
misericórdia, que a Virgem nos ensina.
As dimensões de uma autêntica
libertação
99. O senso da fé percebe, em toda a profundidade, a libertação operada
pelo Redentor. É do mal mais radical, do pecado e do poder da morte, que Ele
nos libertou, para libertar a própria liberdade e para lhe mostrar a sua
estrada. Esse caminho é traçado pelo supremo mandamento, que é o mandamento do
amor.
A libertação, em sua significação primordial, que é soteriológica,
prolonga-se, assim, em missão libertadora, em exigência ética. Aqui encontra o
seu lugar a doutrina social da Igreja, que ilumina a práxis cristã ao nível da
sociedade.
O cristão é chamado a agir segundo a verdade e, dessa forma, trabalhar pela instauração daquela « civilização
do amor » de que falou Paulo VI. O presente documento,
sem pretender ser completo, indicou algumas das direções em que é urgente
empreender reformas profundas. A tarefa prioritária, que condiciona o êxito de
todas as demais, é de ordem educativa. O amor, que guia o compromisso, deve
desde agora dar nascimento a novas formas de solidariedade. Todos os homens de
boa vontade são convocados a tais tarefas que, de um modo imperioso, impõem-se
à consciência cristã.
A verdade do mistério da salvação, em ação no « hoje » da história para
conduzir a humanidade resgatada rumo à perfeição do Reino, dá seu verdadeiro
significado aos necessários esforços de libertação de ordem econômica, social e
política e os impede de submergir em novas servidões.
Uma tarefa diante de nós
100. É verdade que, diante da amplidão e da complexidade da tarefa, que
pode exigir mesmo o dom de si até o heroísmo, muitos são tentados pelo
desânimo, pelo ceticismo ou pela aventura desesperada. Um formidável desafio é
lançado à esperança, teologal e humana. A Virgem magnânima do Magnificat, que envolve a Igreja e a humanidade com a sua oração, é o firme apoio
da esperança. Nela, com efeito, contemplamos a vitória do amor divino que
nenhum obstáculo pode reter. Nela descobrimos a que sublime liberdade Deus
eleva os humildes. Pela estrada por ela traçada, deve avançar, com grande
ímpeto, a fé que opera pela caridade.
No decurso de uma audiência concedida ao Prefeito abaixo-assinado, Sua
Santidade o Papa João Paulo II aprovou esta Instrução, adotada em reunião
ordinária da Congregação para a Doutrina da Fé, e ordenou a sua publicação.
Roma, na sede da Congregação, aos 22 de
março de 1986, na solenidade da Anunciação do Senhor.
Joseph Card.
Ratzinger
Prefeito
Alberto Bovone
Arcebispo tit. de Cesaréia de Numídia
Secretário
A práxis cristã da libertação
71. A dimensão soteriológica da libertação não pode ser reduzida à
dimensão socio-ética, que é uma sua consequência. Restituindo ao homem a
verdadeira liberdade, a libertação radical realizada por Cristo atribui ao
mesmo homem uma tarefa: a práxis cristã, que é a execução do grande mandamento
do amor. Este último é o princípio supremo da moral social cristã, fundada
sobre o Evangelho e sobre toda a tradição desde os tempos apostólicos e a época
dos Padres da Igreja até às recentes intervenções do Magistério.
Os consideráveis desafios de nossa época constituem um apelo urgente
para se pôr em prática esta doutrina de ação.
I. Natureza da
doutrina social da Igreja
Mensagem evangélica e vida social
72. O ensinamento social da Igreja nasceu do encontro da mensagem
evangélica e de suas exigências, resumidas no mandamento supremo do amor, com os problemas que emanam da vida da sociedade. Ele constituiu-se como
uma doutrina, usando os recursos da sabedoria e das ciências humanas, diz
respeito ao aspecto ético desta vida e leva em consideração os aspectos
técnicos dos problemas, mas sempre para julgamos do ponto de vista moral.
Essencialmente orientado para a ação, esse ensinamento desenvolve-se em
função das circunstâncias mutáveis da história. É por essa razão que, com
princípios sempre válidos, ele comporta também juízos contingentes. Longe de
constituir um sistema fechado, ele permanece constantemente aberto às questões
novas que não cessam de se apresentar; requer a contribuição de todos os
carismas, experiências e competências.
Perita em humanidade, a Igreja oferece, em sua doutrina social, um
conjunto de princípios de reflexão, de critérios de julgamento, como
também de diretrizes de ação, para que sejam realizadas as mudanças profundas que as situações de
miséria e de injustiça estão a exigir e isso de uma maneira que sirva ao verdadeiro
bem dos homens.
Princípios fundamentais
73, O mandamento supremo do amor conduz ao pleno reconhecimento da
dignidade de cada homem, criado à imagem de Deus. Dessa dignidade decorrem
direitos e deveres naturais. À luz da imagem de Deus, a liberdade, prerrogativa
essencial de pessoa humana, manifesta-se em toda a sua profundidade. As pessoas
são o sujeito ativo e responsável da vida social.
Ao fundamento, que é a dignidade do homem, estão intimamente ligados o princípio de solidariedade e o princípio de subsidiariedade.
Em virtude do primeiro, o homem deve contribuir, com os seus
semelhantes, para o bem comum da sociedade, em todos os seus níveis. Sob este ângulo, a doutrina da Igreja opõe-se a todas as formas de
individualismo social ou político.
Em virtude do segundo, nem o Estado, nem sociedade alguma, jamais devem
substituir-se à iniciativa e à responsabilidade das pessoas e das comunidades
intermediárias, no nível em que essas possam agir, nem destruir o espaço
necessário à liberdade das mesmas. Por este lado, a
doutrina social da Igreja opõe-se a todas as formas de coletivismo.
Critérios de julgamento
74. Esses princípios estabelecem critérios para
efetuar um julgamento acerca das situações, das estruturas e dos sistemas sociais.
Assim, a Igreja não hesita em denunciar as situações de vida que lesem a
dignidade e a liberdade do homem.
Tais critérios permitem também julgar o valor das estruturas. Estas são o conjunto
das instituições e das práticas que os homens já encontram em ação ou criam, em
plano nacional e internacional, e que orientam ou organizam a vida econômica,
social e política. Em si necessárias, elas tendem, frequentemente, a se fixarem
e enrijecerem em mecanismos relativamente independentes da vontade humana, paralisando
ou pervertendo assim o desenvolvimento social e gerando a injustiça. No
entanto, elas dependem sempre da responsabilidade do homem, que pode
modificá-las, e não de um pretenso determinismo da história.
As instituições e as leis, quando são conformes à lei natural e
ordenadas ao bem comum, são a garantia da liberdade das pessoas e da sua
promoção. Não se pode condenar todos os aspectos coercitivos da estabilidade de
um estado de direito digno desse nome. Pode-se falar, portanto, de estruturas
marcadas pelo pecado, mas não se pode condenar as estruturas enquanto tais.
Os critérios de julgamento dizem respeito também aos sistemas econômicos, sociais e
políticos. A doutrina social da Igreja não propõe algum sistema particular, mas
à luz dos seus princípios fundamentais, permite ver em que medida os sistemas
existentes são ou não conformes às exigências da dignidade humana.
Primado das pessoas sobre as estruturas
75. A Igreja tem certamente consciência da complexidade dos problemas que as sociedades devem enfrentar e das
dificuldades de se encontrar soluções adequadas. No entanto, ela pensa ser
necessário, antes de tudo, apelar para as capacidades espirituais e morais da
pessoa e para a exigência permanente de conversão interior, se se quiser obter
mudanças econômicas e sociais que estejam realmente ao serviço do homem.
O primado atribuído às estruturas e à organização técnica e não à pessoa
e às exigências da sua dignidade, é a expressão de uma antropologia
materialista, contrária à edificação de uma ordem social justa.
Entretanto, a prioridade reconhecida à liberdade e à conversão do
coração não elimina, de forma alguma, a necessidade de uma mudança das
estruturas injustas. É, portanto, plenamente legítimo que aqueles que sofrem
opressão por parte dos detentores da riqueza ou do poder político ajam, por
meios moralmente lícitos, a fim de obter estruturas e instituições nas quais os
seus direitos sejam verdadeiramente respeitados.
A verdade, porém, é que as estruturas instauradas para o bem das
pessoas, por si mesmas são incapazes de realizá-lo e de garanti-lo. Prova-o a
corrupção que, em certos países, atinge dirigentes e burocracia de Estado,
destruindo qualquer vida social honesta. A retidão dos costumes é condição
indispensável para a saúde da sociedade. É preciso, pois, trabalhar, ao mesmo
tempo, pela conversão dos corações e pela melhoria das estruturas, pois o
pecado que se encontra na origem das situações injustas é, em sentido próprio e
primário, um ato voluntário que tem sua origem na liberdade da pessoa. É só em
um sentido derivado e secundário que ele é aplicado às estruturas e que se pode
falar de « pecado social ».
Por outro lado, no processo de libertação, não se pode fazer abstração
da situação histórica da nação, nem atentar contra a identidade cultural do
povo. Por conseguinte, não se pode aceitar passivamente – e menos ainda
ativamente apoiar – grupos que, pela força ou pela manipulação da opinião,
apoderem-se do aparelho estatal para impor abusivamente à coletividade uma
ideologia importada, oposta aos verdadeiros valores culturais do povo. A esse propósito, convém recordar a grave responsabilidade moral e
política dos intelectuais.
Diretrizes de ação
76. Os princípios fundamentais e os critérios de julgamento inspiram diretrizes de ação: uma vez que o bem comum da sociedade humana está
ao serviço das pessoas, os meios de ação devem ser conformes à dignidade do
homem e favorecer a educação da sua liberdade. Este é um critério seguro de
julgamento e de ação: não haverá verdadeira libertação se, desde o princípio,
não forem respeitados os direitos da liberdade.
É preciso denunciar, no recurso sistemático à violência apresentado como
caminho necessário da libertação, uma ilusão destruidora, que abre estrada a
novas servidões. Deve-se condenar, com o mesmo vigor, a violência contra os
pobres, exercida pelos que têm posses, o arbítrio policial, como também toda
forma de violência transformada em sistema de governo. Nesses campos, é preciso
saber aprender das lições de trágicas experiências que a história do nosso
século conheceu e conhece ainda. Não se pode tampouco admitir a culpável
cumplicidade dos poderes públicos nas democracias em que a situação social de
um grande número de homens e mulheres está longe de corresponder ao que exigem
os direitos individuais e sociais constitucionalmente garantidos.
Uma luta pela justiça
77 . Quando encoraja a criação e a ação de associações como os
sindicatos, que lutam pela defesa dos direitos e dos interesses legítimos dos
trabalhadores e pela justiça social, nem por isso a Igreja admite a teoria que
vê na luta de classes o dinamismo estrutural da vida social. A ação que ela
preconiza não é a luta de uma classe contra outra, em vista de obter a
eliminação do adversário; ela não procede da submissão aberrante a uma pretensa
lei da história. Trata-se, antes, de uma luta nobre e ponderada, visando a
justiça e a solidariedade sociais. O cristão preferirá
sempre a via do diálogo e do acordo.
Cristo deu-nos o mandamento do amor aos inimigos. No espírito do Evangelho, a libertação é, portanto, incompatível com o
ódio pelo outro, considerado individual ou coletivamente, inclusive com o ódio
ao inimigo.
O mito da revolução
78. Situações de grave injustiça requerem a coragem de reformas em
profundidade e a supressão de privilégios injustificáveis. Porém, os que descreem
do caminho das reformas em proveito do mito da revolução, não apenas alimentam
a ilusão de que a abolição de uma situação iníqua basta por si mesma para criar
uma sociedade mais humana, mas ainda favorecem o advento de regimes
totalitários.117 A luta contra as injustiças só tem
sentido se ela for conduzida para a instauração de uma nova ordem social e
política conforme às exigências da justiça. Esta deve determinar as etapas da
sua instauração, já desde o início. Existe uma moralidade dos meios.
Um recurso extremo
79. Esses princípios devem ser aplicados especialmente no caso extremo
do recurso à luta armada, indicado pelo Magistério como remédio último para pôr
fim a uma « tirania evidente e prolongada, que atingisse gravemente os direitos
fundamentais das pessoas e prejudicasse perigosamente o bem comum de um país ». Entretanto, a aplicação concreta desse meio não pode ser encarnada,
senão após uma análise muito rigorosa da situação. Com efeito, por causa do
contínuo desenvolvimento das técnicas empregadas e da crescente gravidade dos
perigos implicados no recurso à violência, o que hoje vem sendo chamado de «
resistência passiva » abre um caminho mais conforme aos princípios morais e não
menos prometedor de êxito.
Jamais poder-se-ia admitir, nem por parte do poder constituído nem por
parte dos grupos sublevados, o recurso a meios criminosos como as represálias
feitas contra a população, a tortura, os métodos do terrorismo e a provocação
calculada para acarretar a morte de pessoas durante manifestações populares.
São igualmente inadmissíveis as odiosas campanhas de calúnia, capazes de
destruir uma pessoa, psíquica e moralmente.
O papel dos leigos
80. Não compete aos Pastores da Igreja intervir diretamente na
construção política e na organização da vida social. Tal tarefa faz parte da
vocação dos leigos, agindo por sua própria iniciativa, juntamente com seus concidadãos. Eles devem realizá-la, conscientes de que a finalidade da Igreja é
difundir o Reino de Cristo para que todos os homens sejam salvos e que, por
eles, o mundo seja efetivamente ordenado a Cristo.
A obra da salvação aparece, pois, indissoluvelmente unida à missão de
melhorar e elevar as condições da vida humana neste mundo.
A distinção entre ordem sobrenatural da salvação e ordem temporal da
vida humana deve ser vista ao interno de um único desígnio de Deus, o de
recapitular todas as coisas em Cristo. É por isso que, em um e outro campo, o
leigo, ao mesmo tempo fiel e cidadão, deve deixar-se guiar constantemente pela
consciência cristã.
A ação social, que pode comportar uma pluralidade de caminhos concretos,
terá sempre em vista o bem comum e será conforme à mensagem e ao ensinamento da
Igreja. Evitar-se-á que a diferença de opiniões prejudique o sentido da
colaboração, conduza à paralisia dos esforços ou produza desorientação no povo
cristão.
A orientação dada pela doutrina social da Igreja deve estimular a
aquisição das competências técnicas e científicas indispensáveis. Ela
estimulará também a busca da formação moral do caráter e o aprofundamento da
vida espiritual. Fornecendo princípios e conselhos de sabedoria, essa doutrina
não dispensa a educação para a prudência política, indispensável para o governo
e gestão das realidades humanas.
II. Exigências
evangélicas de transformações em profundidade
Necessidade de uma transformação
cultural
81. Um desafio sem precedente é hoje lançado aos cristão que se esforçam
por realizar aquela « civilização do amor » que reúne toda a herança
ético-social do Evangelho. Essa tarefa exige uma reflexão nova sobre aquilo que
constitui a relação entre mandamento supremo do amor e ordem social, compreendida
em toda a sua complexidade.
Finalidade direta de tal reflexão em profundidade é a elaboração e
atuação de programas de ação audaciosos, em vista da libertação socioeconômica
de milhões de homens e mulheres, cuja situação de opressão econômica, social e
política é intolerável.
Essa ação deve começar por um imenso esforço de educação: educação para
a civilização do trabalho, educação para a solidariedade, acesso de todos à
cultura.
Evangelho do trabalho
82. A vida de Jesus em Nazaré, verdadeiro « Evangelho do trabalho »,
oferece-nos um vivo exemplo e o princípio da radical transformação cultural
indispensável para resolver os graves problemas que nossa época deve enfrentar.
Aquele que, sendo Deus, fez-se semelhante a nós em tudo, durante a maior parte
de sua vida terrena entregou-se a um trabalho manual. A cultura que nossa época espera, será caracterizada pelo pleno
reconhecimento da dignidade do trabalho humano, que aparece em toda a sua
nobreza e fecundidade à luz dos mistérios da Criação e da Redenção. Reconhecido como expressão da pessoa, o trabalho torna-se fonte de
sentido e esforço criador.
Uma verdadeira civilização do
trabalho
83. Dessa forma, a solução da maioria dos gravíssimos problemas da
miséria encontra-se na promoção de uma verdadeira civilização do trabalho. De
certa forma, o trabalho é a chave de toda a questão social.
É, pois, no campo do trabalho que deve ser empreendida,
prioritariamente, uma ação evangelizadora na liberdade. Uma vez que a, relação
entre pessoa humana e trabalho é radical e vital, as formas e modalidades que
regulamentam tal relação exercerão uma influência positiva, em vista da solução
do conjunto de problemas sociais e políticos que se apresentam a cada povo. Relações
de trabalho justas prefigurarão um sistema de comunidade política apto a
favorecer o desenvolvimento integral de toda a pessoa humana.
Se o sistema das relações de trabalho, posto em funcionamento pelos
protagonistas diretos, trabalhadores e empregadores, com o indispensável apoio
dos poderes públicos, consegue dar origem a uma civilização do trabalho,
produzir-se-á, então, na maneira de ver dos povos e até nas bases
institucionais e políticas, uma profunda revolução pacífica.
Bem comum nacional e internacional
84. Uma tal cultura do trabalho deverá supor e pôr em ação um certo
número de valores essenciais. Ela reconhecerá que a pessoa do trabalhador é
princípio, sujeito e fim da atividade laboriosa. Afirmará a prioridade do
trabalho sobre o capital e a destinação universal dos bens materiais. Será
animada pelo senso de uma solidariedade que não comporta apenas direitos a
reivindicar, mas também deveres a cumprir. Implicará a participação, visando
promover o bem comum nacional e internacional e não apenas a defesa de
interesses individuais ou corporativos. Ela assimilará o método do confronto
pacífico e do diálogo franco e vigoroso.
De sua parte, as autoridades políticas torna-se-ão sempre mais capazes
de agir no respeito às legítimas liberdades dos indivíduos, das famílias, dos
grupos subsidiários, criando assim as condições necessárias para que o homem
possa alcançar seu bem verdadeiro e integral, inclusive o seu fim espiritual.
O valor do trabalho humano
85. Uma cultura que reconheça a eminente dignidade do trabalhador,
evidenciará a dimensão subjetiva do trabalho. O valor de cada trabalho humano não se deduz, em primeiro lugar, do
trabalho realizado; ele tem o seu fundamento no fato de que quem o executa é
uma pessoa.Trata-se, portanto, de um critério ético, cujas exigências são
evidentes.
Assim, todo homem tem direito ao trabalho, direito esse que deve ser
reconhecido de forma prática, através de um efetivo empenho em vista de se
resolver o dramático problema do desemprego. É intolerável que este mantenha em
uma situação de marginalização amplas parcelas da população, e, notadamente, da
juventude. Por isso, a criação do postos de trabalho é uma tarefa social
primordial, que se impõe aos indivíduos e à iniciativa privada, mas igualmente
ao Estado. Como regra geral, aqui como em outros campos, o Estado tem uma
função subsidiária; mas frequentemente ele pode ser chamado a intervir
diretamente, como no caso de acordos internacionais entre diversos Estados.
Tais acordos devem respeitar o direito dos emigrantes e de suas famílias.
Promover a participação
86. O salário, que não pode ser concebido como uma simples mercadoria,
deve permitir ao trabalhador e à sua família terem acesso a um nível de vida
verdadeiramente humano na ordem material, social, cultural e espiritual. É a
dignidade da pessoa que constitui o critério para julgar o trabalho, e não o
contrário. Seja qual for o tipo de trabalho, o trabalhador deve poder vivê-lo
como expressão da sua personalidade. Daí decorre a exigência de uma
participação que, muito mais que uma partilha dos frutos do trabalho, deveria
comportar uma verdadeira dimensão comunitária em nível de projetos, de iniciativas
e de responsabilidades.
Prioridade do trabalho sobre o capital
87. A prioridade do trabalho sobre o capital faz com que os empresários
tenham o dever de justiça de considerar o bem dos trabalhadores antes do
aumento dos lucros. Eles têm a obrigação moral de não manter capitais
improdutivos, e de procurar, nos investimentos, antes de tudo, o bem comum.
Este último exige que se busque, como prioridade, a consolidação ou a criação
de novos postos de trabalho, na produção de bens realmente úteis.
O direito à propriedade privada não é concebível sem seus deveres para
com o bem comum. Ele é subordinado ao princípio superior da destinação
universal dos bens.
Reformas em profundidade
88. Esta doutrina deve inspirar reformas, antes que seja tarde demais. O
acesso de todos aos bens requeridos por uma vida humana, pessoal e familiar,
digna desse nome, é uma exigência primária da justiça social. Sua aplicação
deve abranger a área do trabalho industrial e, de um modo todo especial, a do
trabalho agrícola. Com efeito, os camponeses, sobretudo no
Terceiro Mundo, formam a massa preponderante dos pobres.
III. Promoção da
solidariedade
Uma nova solidariedade
89. A solidariedade é uma exigência direta da fraternidade humana e
sobrenatural. Os graves problemas socioeconômicos, que hoje se apresentam, só
poderão ser resolvidos se novas frentes de solidariedade forem criadas:
solidariedade dos pobres entre si; solidariedade com os pobres, para a qual os
ricos são convocados; solidariedade dos trabalhadores e com os trabalhadores.
As instituições e organizações sociais, em diferentes níveis, como também o
Estado, devem participar de um movimento geral de solidariedade. Ao fazer este
apelo, a Igreja sabe que também ela encontra-se envolvida nele de um modo todo
particular.
A destinação universal dos bens
90. O princípio da destinação universal dos bens, juntamente com o da
fraternidade humana e sobrenatural, impõe aos países mais ricos deveres para os
países pobres. Deveres que são de solidariedade na ajuda aos países em vias de
desenvolvimento; de justiça social, mediante uma revisão, em termos correios,
das relações comerciais entre Norte e Sul e pela promoção de um mundo mais
humano para todos, onde cada um possa dar e receber, e onde o progresso de uns
não seja mais um obstáculo ao desenvolvimento de outros, nem um pretexto para a
sua sujeição.
Ajuda ao desenvolvimento
91. A solidariedade internacional é uma exigência de ordem moral. Ela
não se impõe unicamente nos casos de extrema urgência, mas também como ajuda ao
verdadeiro desenvolvimento. Trata-se de uma obra comum, que requer um esforço
convergente e constante para se encontrarem as soluções técnicas concretas, mas
também para criar uma nova mentalidade nos homens deste tempo. A paz mundial,
em grande parte, depende disso.
IV. Tarefas culturais
e educativas
Direito à instrução e a cultura
92. As desigualdades, contrárias à justiça, na posse e no uso dos bens
materiais são acompanhadas e agravadas pelas desigualdades igualmente injustas
no acesso à cultura. Cada homem tem direito à cultura, que é o modo específico
de uma existência verdadeiramente humana, à qual ele tem acesso pelo
desenvolvimento de suas faculdades de conhecimento, de suas virtudes morais, de
suas capacidades de relacionamento com seus semelhantes, de suas aptidões para criar
obras úteis e belas. Daí advém a exigência da promoção e da difusão da
educação, que é um direito inalienável de cada um. Sua primeira condição é a
eliminação do analfabetismo.
Respeito pela liberdade cultural
93. O direito de cada homem à cultura não é assegurado, se não for
respeitada a liberdade cultural. Muito frequentemente, a cultura é pervertida
em ideologia e a educação transformada em instrumento ao serviço do poder
político ou econômico. Não compete à autoridade pública determinar a cultura.
Sua função é promover e proteger a vida cultural de todos, inclusive a das
minorias.
A função educativa da família
94. A tarefa educativa pertence fundamental e prioritariamente à
família. A missão do Estado é subsidiária: seu papel é o de garantir, proteger,
promover e suprir. Quando o Estado reivindica o monopólio escolar, ele excede
os seus direitos e ofende a justiça. É aos pais que compete o direito de
escolher a escola à qual enviarem seus próprios filhos, de criar e manter
centros educacionais de acordo com suas próprias convicções. O Estado não pode,
sem injustiça, contentar-se em tolerar as chamadas escolas privadas. Estas
realizam um serviço público e têm, por conseguinte, o direito de serem ajudadas
economicamente.
As «liberdades» e a participação
95. A educação, que possibilita o acesso à cultura, é também
educação para o exercício responsável da liberdade. É por isso que só existe
autêntico desenvolvimento em um sistema social e político que respeite as
liberdades, favorecendo-as pela participação de todos. Uma tal participação
pode assumir formas diversas; ela é necessária para garantir um justo
pluralismo nas instituições e nas iniciativas sociais. Notadamente pela
separação real entre os poderes do Estado, ela assegura o exercício dos
direitos do homem, protegendo-os igualmente contra possíveis abusos por parte
dos poderes públicos. Dessa participação na vida social e política, ninguém
pode ser excluído por motivo de sexo, de raça, de cor, de condição social, de
língua ou de religião.Manter o povo à margem da vida cultural, social e
política, constitui, em muitas nações, uma das injustiças mais estridentes do
nosso tempo.
Ao regular o exercício das liberdades, as autoridades políticas não
devem usar como pretexto as exigências da ordem pública e da segurança para
limitar sistematicamente essas mesmas liberdades. Nem o pretenso princípio da «
segurança nacional », nem uma visão estritamente econômica, nem uma concepção
totalitária da vida social podem prevalecer sobre o valor da liberdade e sobre
os seus direitos.
O desafio da aculturação
96. A fé é inspiradora de critérios de julgamento, de valores
determinantes, de linhas de pensamento e de modelos de vida, válidos para toda
a comunidade humana.141 É por essa razão que
a Igreja, atenta às angústias de nossa época, indica o caminho de uma cultura
na qual o trabalho seja reconhecido segundo a sua plena dimensão humana e onde
cada ser humano encontre a possibilidade de se realizar como pessoa. Ela o faz
em virtude da sua abertura missionária pela salvação integral do mundo,
respeitando a identidade de cada povo e nação.
A Igreja, comunhão que une diversidade e unidade, por sua presença no
mundo inteiro, assume em cada cultura o que aí encontra de positivo. Todavia, a
aculturação não é simples adaptação externa; é uma íntima transformação dos
autênticos valores culturais pela sua integração no cristianismo e pelo
enraizamento do cristianismo nas diversas culturas humanas. A separação entre Evangelho e cultura é um drama, cuja triste ilustração
são os problemas mencionados. Impõe-se, portanto, um generoso esforço de
evangelização das culturas. Estas serão regeneradas, no seu encontro como
Evangelho. Mas tal encontro supõe que o Evangelho seja verdadeiramente
proclamado. Iluminada pelo Concílio Vaticano II, a
Igreja quer consagrar-se a tal esforço com todas as suas energias, a fim de
provocar um imenso impulso evangelizador.
CONCLUSÃO
O Canto do Magnificat
97. « Bem-aventurada aquela que acreditou » ... (Lc 1, 45). À saudação de Isabel, a Mãe de Deus responderá
deixando efundir o seu coração no canto do Magnificat. Ela nos mostra que é pela fé e na fé que, a seu exemplo, o Povo de Deus
torna-se capaz de exprimir em palavras e de traduzir em sua vida, o mistério do
desígnio de salvação e suas dimensões libertadoras no plano da existência
individual e social. Com efeito, é à luz da fé que se percebe como a história
da salvação é a história da libertação do mal sob a sua forma mais radical e a
introdução da humanidade na verdadeira liberdade dos filhos de Deus. Totalmente
dependente d'Ele e para Ele toda orientada pelo élan de sua fé, Maria é, ao
lado do seu Filho, a imagem mais perfeita da liberdade e da libertação da
humanidade e do cosmos. É para ela, pois, que a Igreja, da qual ela é Mãe e
Modelo, deve olhar para compreender, na sua integralidade, o sentido de sua
missão.
É notável como o senso da fé dos pobres, ao mesmo tempo em que possui
uma aguda percepção do mistério da cruz redentora, leva a um amor e uma
confiança indefectíveis para com a Mãe do Filho de Deus, venerada em numerosos
santuários.
O «sensus fidei» do Povo de Deus
98. Os Pastores e todos aqueles que, frequentemente em condições muito
duras, dedicam-se à evangelização e à promoção humana integral, sacerdotes e
leigos, religiosos e religiosas, devem encher-se de esperança pensando nos
extraordinários recursos de santidade que estão contidos na fé do povo de Deus.
É necessário fazer com que essas riquezas do sensus fidei possam desabrochar plenamente e frutificar com abundância. Eis a nobre
missão eclesial que se pede ao teólogo: graças a uma meditação profunda sobre o
plano da salvação, tal como ele se desenrola aos olhos da Virgem do Magnificat, ajudar a fé do povo a se exprimir com clareza e a se traduzir na vida.
Assim, uma teologia da liberdade e da libertação, como eco fiel do Magnificat de Maria conservado
na memória da Igreja, constitui uma exigência do nosso tempo. Mas seria uma
grave perversão captar as energias da religiosidade popular com o fim de
desviá-las a um projeto de libertação meramente terrena, que se revelaria,
muito cedo, uma ilusão e causa de novas servidões. Os que cedem dessa forma às
ideologias do mundo e à pretensa necessidade da violência não são mais fiéis à
esperança, à sua audácia e coragem, tais como as enaltece o hino ao Deus de
misericórdia, que a Virgem nos ensina.
As dimensões de uma autêntica
libertação
99. O senso da fé percebe, em toda a profundidade, a libertação operada
pelo Redentor. É do mal mais radical, do pecado e do poder da morte, que Ele
nos libertou, para libertar a própria liberdade e para lhe mostrar a sua
estrada. Esse caminho é traçado pelo supremo mandamento, que é o mandamento do
amor.
A libertação, em sua significação primordial, que é soteriológica,
prolonga-se, assim, em missão libertadora, em exigência ética. Aqui encontra o
seu lugar a doutrina social da Igreja, que ilumina a práxis cristã ao nível da
sociedade.
O cristão é chamado a agir segundo a verdade e, dessa forma, trabalhar pela instauração daquela « civilização
do amor » de que falou Paulo VI. O presente documento,
sem pretender ser completo, indicou algumas das direções em que é urgente
empreender reformas profundas. A tarefa prioritária, que condiciona o êxito de
todas as demais, é de ordem educativa. O amor, que guia o compromisso, deve
desde agora dar nascimento a novas formas de solidariedade. Todos os homens de
boa vontade são convocados a tais tarefas que, de um modo imperioso, impõem-se
à consciência cristã.
A verdade do mistério da salvação, em ação no « hoje » da história para
conduzir a humanidade resgatada rumo à perfeição do Reino, dá seu verdadeiro
significado aos necessários esforços de libertação de ordem econômica, social e
política e os impede de submergir em novas servidões.
Uma tarefa diante de nós
100. É verdade que, diante da amplidão e da complexidade da tarefa, que
pode exigir mesmo o dom de si até o heroísmo, muitos são tentados pelo
desânimo, pelo ceticismo ou pela aventura desesperada. Um formidável desafio é
lançado à esperança, teologal e humana. A Virgem magnânima do Magnificat, que envolve a Igreja e a humanidade com a sua oração, é o firme apoio
da esperança. Nela, com efeito, contemplamos a vitória do amor divino que
nenhum obstáculo pode reter. Nela descobrimos a que sublime liberdade Deus
eleva os humildes. Pela estrada por ela traçada, deve avançar, com grande
ímpeto, a fé que opera pela caridade.
No decurso de uma audiência concedida ao Prefeito abaixo-assinado, Sua
Santidade o Papa João Paulo II aprovou esta Instrução, adotada em reunião
ordinária da Congregação para a Doutrina da Fé, e ordenou a sua publicação.
Roma, na sede da Congregação, aos 22 de
março de 1986, na solenidade da Anunciação do Senhor.
Joseph Card.
Ratzinger
Prefeito
Alberto Bovone
Arcebispo tit. de Cesaréia de Numídia
Secretário
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